Esquerda Digital

terça-feira, 24 de maio de 2011

Com sede de mudança, jovens franceses se organizam para renovar a esquerda

A um ano das eleições presidenciais francesas, novos atores políticos já começaram a entrar em cena. O movimento L’appel du 21 avril (ou O Chamado de 21 de abril, em português), é um coletivo que convoca a mobilização da sociedade civil para a renovação do quadro político do país. São, em sua maior parte, jovens partidários dos ideais de esquerda que querem evitar a repetição do resultado do primeiro turno das eleições de 21 de abril 2002, que resultou em um duelo entre os candidatos à presidência da direita, representada pelo presidente Jacques Chirac (da UMP, União por um Movimento Popular), e da extrema-direita, Jean-Marie Le Pen (da Frente Nacional).
O objetivo é, por um lado, garantir uma esquerda sólida, com um candidato forte para disputar as eleições e, de outro, impedir a ida ao segundo turno de Marine Le Pen, da extrema-direita, que vem seduzindo as classes populares e apresentando bons resultados nas pesquisas de intenção de votos.

O recente escândalo envolvendo o diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), Dominique Strauss-Kahn, que responde a um processo de abuso sexual em Nova York torna a necessidade do movimento ainda mais urgente. Afinal, embora Strauss-Kahn nem sempre seja apontado como um político de esquerda, o ainda pré-candidato socialista era, segundo pesquisas de opinião, o nome mais viável para derrotar Nicolas Sarkozy e a direita em 2012.

Nem partido, nem sindicato, o L’appel du 21 avril é uma rede de ação cidadã que pretende usar a internet como sua maior arma. Site, twitter e página facebook convidam os internautas a se unirem aos dois mil signatários do grupo. Ações em universidades, manifestações artísticas e encontros mensais também estão previstos para sensibilizar cada vez mais pessoas.

Criado em outubro de 2010, ela se inspira na midiática organização liberal norte-americana MoveOn, que apoiou a candidatura de Barack Obama nos Estados Unidos com seus cinco milhões de membros.

“A gente não terá o apoio de um partido, mas é provável que nós venhamos a apoiar um candidato. Queremos sim a adesão de personalidades às ideias”, revela Bruno Laforestrie, diretor da rádio Générations FM e fundador do coletivo.

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Além de Nicolas Hulot, pré-candidato às eleições pelo partido Europa Ecologia, e de Laurianne Denniaud, presidente do Movimento dos Jovens Socialistas, o grupo é formado por estudantes, artistas, jornalistas, moradores dos subúrbios e jovens empreendedores.

Esquerda unida

A maior das batalhas do coletivo é convencer os principais partidos chamados de esquerda do país – PS (Partido Socialista), PCF (Partido Comunista Francês) e Europa Ecologia – a realizarem primárias abertas para definir um candidato único para as eleições de 2012.

Luiza Duarte
Bruno Laforestrie, fundador do coletivo L'appel du 21 avril.

“Assim, haverá uma verdadeira aliança em torno de um projeto”, garante Baki Youssoufou, presidente da CNEF (Confederação Nacional de Estudantes Franceses). “Quem ganhar escolherá a melhor equipe para realizar esse projeto mas, se a aliança é feita depois, ela não será sobre o projeto e sim sobre a vitória, quer dizer, como querem ganhar, vão buscar votos com determinados partidos que vão impor o que querem ter em troca no governo. Nós preferimos que isso se decida antes,” insiste.

O líder estudante diz não querer escolher entre uma pessoa ou outra e sim entre diferentes visões da sociedade “Dessa vez, nós queremos ações que acompanhem as palavras, “argumenta.



Ele afirma que os partidos veem com bons olhos o fato de haver mobilização, mas que não escondem incômodo e desconfiança ao não controlarem essas decisões que são tomadas fora de seus núcleos partidários. Uma candidatura única da esquerda ainda está longe de se tornar realidade, já que poucos estão dispostos a fazer as concessões necessárias. Youssoufou reconhece, por exemplo, a improvável adesão da extrema-esquerda, representada pelo Novo Partido Anti-Capitalista.

Gerações em conflito

“Nós somos pela dupla alternância, mudança de governo, mas também cultural e de geração,” revela Laforestrie. Além da renovação pela chegada da esquerda ao poder, o coletivo assina um pacto, que denuncia um conflito de interesses entre as gerações e um desejo de maior representatividade e participação da parte dos jovens.

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Em um país onde o voto não é obrigatório, a ida deles às urnas será decisiva. Embora na última eleição presidencial os nascidos na década de 70 tenham apresentado uma taxa de abstenção de 15,7%, em 2002, a taxa atingiu 36,3% entre esses eleitores e é apontada como a causa da chegada da extrema-direita ao segundo turno. “Se a juventude não se mobilizar nas próximas eleições, levando em conta a estrutura etária da França, será um voto conservador, em favor dos mais velhos,” acredita.

Preocupado com a sociedade francesa, o fundador do grupo acredita que ela está “à beira de um terremoto”. Ele considera que há risco real de um conflito entre as gerações, “entre os jovens que estão cada vez mais sob pressão, mais pobres e sem um sistema de educação performático, além de terem problemas para encontrar emprego, e uma geração que, em breve, estará aposentada. São os “baby boomers”, nascidos no período pós-guerra, e que beneficiaram de todo o sistema econômico e que hoje não entraram em relação, em termos de transmissão, com as gerações anteriores, “diz.

Inspiração das Américas

“Vocês foram mais rápidos no Brasil do que na França na compreensão da miscigenação. No Brasil, mesmo se nas instituições isso demore a mudar, não se suspeita de que alguém não é brasileiro pela sua cor da pele. Na França, é preciso ainda justificar que se é francês, mesmo depois de várias gerações,” acrescenta Youssoufou. Para ele, o problema da não representatividade envolve também a negação da imagem da nova sociedade francesa e de seus filhos de imigrantes.

A palavra de ordem deles é mudança. O ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e o atual presidente americano Barack Obama são citados como exemplos das mudanças que eles querem para a França. Políticos que sejam símbolo de uma sociedade que se transformou e quer ser mais representativa.

“Será que a gente quer criar uma Europa como Mônaco, onde haverá apenas ricos, brancos e velhos, ou como o Brasil, onde haverá muitos jovens e mestiçagem, que é a realidade agora? No entanto, nossos dirigentes continuam no mesmo modelo, formados nas mesmas escolas e vindos dos mesmos clãs,” questiona.

Não será necessariamente proposto um candidato da juventude, o coletivo também diz não querem opor jovens e velhos. A ideia é forçar a participação e reconhecimento de novas camadas da sociedade dentro do debate político. Querem outra cara para o país, “para que, quando olharmos a Assembleia Nacional francesa, ela se parece com a França de hoje”, argumenta Youssoufou.

Fonte: Opera Mundi

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