Esquerda Digital

terça-feira, 30 de agosto de 2011

McDonald's na mira da justiça: funcionários vivem inferno no trabalho

Entre as mais constantes denúncias estão aquelas sobre a jornada móvel e variável e a dispensa de mulheres durante a gravidez

Pesquisa aponta que o McDonald’s é a empresa que mais contrata no Brasil e uma das cem melhores empresas para se trabalhar no país. A avaliação divulgada nesta semana foi produzida pelo Instituto Great Place to Work – que atua no país em parceria com a revista Época (Editora Globo). No entanto, a rede de fast food é alvo de denúncias de funcionários e do Sindicato dos Trabalhadores em Hotéis e Restaurantes de São Paulo (Sinthoresp). As principais denúncias são em função dos baixos salários e ambiente de trabalho degradante.
Mascote da empresa não reflete a realidade dos funcionários

No último ano, em um acordo firmado com o Ministério Público do Trabalho (MPT) da 2ª Região, em São Paulo, o McDonald’s teve que pagar multa de R$ 13,2 milhões e cumprir uma série de adequações trabalhistas. Na investigação, o MPT comprovou várias irregularidades, como extensas jornadas de trabalho (com prorrogação além das duas horas extras diárias permitidas por lei), ausência do período mínimo de 11 horas de descanso entre dois turnos, falta de descanso contínuo de 24 horas pelo menos uma vez por semana e o cumprimento de toda a jornada em pé, sem local para repouso.

Leia mais:

Também foi constatado o fornecimento de alimentação inadequada aos seus funcionários, entre outros pontos.

Pesquisa a favor

O McDonald’s há 13 anos está na lista das melhores empresas para se trabalhar no Brasil. Nos sub-rankings, a empresa ocupa o primeiro lugar nas que mais contratam e com maior número de jovens. Também aparece entre as que possuem o melhor treinamento de funcionários (17º) e com maior número de mulheres (20º). A contratação é uma das práticas culturais analisadas pela pesquisa.

A pesquisa é lançada em uma edição especial da revista Época, no dia 20 de agosto, com o título de “Guia Melhores Empresas para Trabalhar 2011/2012”. No Brasil, foram avaliadas 923 empresas. O mesmo estudo é realizado em outros 45 países.

Sindicato contra

O Sinthoresp – que moveu a ação geradora da multa milionária ao McDonald’s –, recebe com frequência denúncias de funcionários. Entre as mais constantes estão aquelas sobre a jornada móvel e variável e a dispensa de mulheres durante a gravidez. O advogado do Sindicato, Rodrigo Rodrigues, explica como é a remuneração neste tipo de jornada aplicada pela rede de fast food.

“Você tem 220 horas mensais para cumprir perante a empresa. Mas você pode trabalhar em um mês 40, 50 horas. E vai receber pelo horário trabalhado. Você pode receber R$ 650, como também R$ 50, R$ 100”.

O valor da hora trabalhada no McDonald’s é de R$ 2,38 – como divulgado em reportagem do jornal Brasil de Fato com o contra-cheque de um funcionário.

Para Rodrigues, a explicação para os índices de entrada e saída de trabalhadores na empresa está nos baixos salários e, também, nas condições precárias de trabalho.

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“A rotatividade do McDonald’s chega a 90%. Mais que seis meses, dificilmente eles [os funcionários] ficam. Porque, primeiro, a jornada é muito extenuante. Na verdade, isso não é trabalho, é exploração. Ainda mais quando se trata de crianças e jovens de 14 a 18 anos”.

Atualmente, o Sinthoresp move ação na Justiça pedindo a aplicação a convenção coletiva proposta pelo Sindicato, que tem salários e benefícios melhores aos praticados hoje. Outra ação judicial importante foi a do Ministério Público no Paraná, que ganhou a ação contra a cláusula da jornada móvel e variável no Tribunal Superior do Trabalho no estado.

Alguém viu o Beto Mansur por aí?


Imaginem só, o Tribunal de Contas de São Paulo (TCE/SP) não conseguiu encontrá-lo!

Explico: desde 2005 acompanho uma representação formulada por Paulo Barbosa, então presidente da Câmara, contra o Executivo Municipal. Não estranhem. Isto se deu por conta da aprovação, em plenário, do relatório de uma Comissão Especial de Inquérito (CEI) proposta e presidida por mim.

A CEI foi instaurada para apurar irregularidades na contratação de mão de obra diretamente com pessoas físicas para a realização de tarefas próprias de funcionários do seu quadro efetivo, admitidos mediante concurso público ou, mesmo, por servidores contratados por prazo determinado para a prestação de serviços temporários, nos exercícios de 2000 a 2004.,

Os valores empenhados pelo município de Santos destinados ao pagamento de serviços de terceiros no ano de 2000 corresponderam a R$ 2.404.866,62. Já em 2004, ano eleitoral, esses empenhos atingiram o montante de R$ 7.107.842,99, existindo vultosas quantias pagas por meio de cheques desvinculadas de qualquer instrumento contratual.

Ficou então comprovado que a Prefeitura estava, sistematicamente, realizando a contratação de pessoas para prestação de diversos serviços por longo espaço de tempo - intercalando alguns meses sem o referido pagamento -, remunerados através de cheque administrativo para desenvolver atividades constantes e diárias, frequentes, sem nenhuma característica sazonal ou necessidade transitória de substituição do pessoal regular e permanente. Além de comprovado também o fracionamento das contratações de serviços da mesma natureza realizados em um único local, com o objetivo de justificar a dispensa de licitação.

Pois bem, apesar dos inúmeros recursos da defesa, as justificativas da Prefeitura não conseguiram afastar as irregularidades apuradas pela CEI e confirmadas pela auditoria do TCE/SP. Foi, então, aplicada multa de 300 UFESP’s (em valores atuais, R$ 5.235,00) ao Sr. Paulo Roberto Gomes Mansur (Processo TC-7361/026/05, acórdão publicado no Diário Oficial do Estado de 19 de março de 2009, decisão confirmada em 24 de abril de 2011).

Qual não foi nossa surpresa ao ver publicado no DOE de 25 de agosto que não há comprovação do recolhimento da multa imposta e que " (...) acerca do não cumprimento da notificação(...) à vista de o senhor Paulo Roberto Gomes Mansur, ex-prefeito Municipal de Santos, não ter sido localizado, determino a inscrição do débito em dívida ativa (...) ".

Ora, continuaremos de olho nos desdobramentos deste assunto que ainda tramita na Justiça, através de nossa ação popular e, também, nos demais órgãos que receberam o referido relatório da CEI. Melhor tomar cuidado, deputado Beto Mansur. Fama de caloteiro já é demais, não acham?!!

Extraído do blog: Cassandra e Cia

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O Silêncio dos Indecentes

Ao constatar o silêncio sepulcral que se derramou sobre a grande mídia neste fim de semana, logo após a denúncia que a revista Veja fez contra o ex-ministro José Dirceu e a que este fez contra a revista, fiquei imaginando quantos jornalistas sérios existem nesses grandes veículos que podem estar tendo a decência de se indignar com seus patrões por estarem impedindo que façam seu trabalho.
Para quem chegou agora ao noticiário político e não sabe sobre o que se refere esse caso, ou para você que, aí no futuro, está lendo o que escrevi no passado, explico que o ex-ministro José Dirceu, no fim de agosto de 2011, denunciou em seu blog que a revista Veja mandou um repórter tentar invadir seu apartamento em um hotel de Brasília pouco antes de publicar matéria com a “revelação” de que se reunia, ali, com correligionários políticos.
Na matéria, a revista Veja fez suposições sobre as razões que levaram aqueles políticos a se reunirem no hotel Naoum, em Brasília, baseando-se na premissa inverídica de que por Dirceu estar sendo processado pelo Supremo Tribunal Federal pelo “escândalo do mensalão” e por ter tido cassado seu direito de disputar eleições estaria impedido, de alguma forma, de fazer articulações políticas. As suposições, surpreendentemente, são tratadas como fatos pela matéria da Veja.
Uma das suposições da matéria é a de que, por ter se reunido com seus correligionários petistas em data próxima à queda do ex-ministro da Casa Civil Antonio Palocci, Dirceu teria tramado com eles a retirada de apoio do PT a ele, o que teria determinado a sua demissão pela presidente Dilma Rousseff. Não houve escuta ou indício maior para a Veja fazer tal afirmação. A revista apenas supôs e publicou como se fosse fato.
Apesar de não haver matéria alguma nesse fato sobre os encontros de Dirceu em Brasília, isso não significa que esse caso, por inteiro, não contenha uma das mais saborosas e instigantes matérias jornalísticas sobre política dos últimos tempos.
Acontece que, apesar de a matéria da Veja fazer parte de um jogo político da imprensa aliada ao PSDB e, portanto, não precisar de fatos reais, pois tenta apenas impor à sociedade a percepção de que o governo Dilma e o PT estariam infestados de gangsters e, nesse processo, procura, na falta de qualidade das acusações, produzir quantidade, faltava um mínimo de verossimilhança à “denúncia” contra Dirceu.
Na tentativa de tornar a matéria menos pífia, a Veja se valeu de método literalmente criminoso. Como é óbvio que o hotel que fez um Boletim de Ocorrência contra a tentativa do repórter da revista de invadir o quarto de Dirceu não cederia imagens de seu circuito interno de TV àquele mesmo repórter, ele instalou câmeras nos corredores do estabelecimento para conseguir as imagens que a Veja publicou.
O viés criminoso da revista, nesse caso, é uma bomba jornalística que reproduz, no Brasil, o escândalo de alcance planetário que se abateu sobre a imprensa britânica. É uma das maiores matérias jornalísticas que surgiram neste ano, no mínimo.
É verdadeira a acusação de José Dirceu? Que tal seria se a imprensa ouvisse as testemunhas? Por exemplo, a imprensa poderia entrevistar a camareira à qual o repórter da Veja Gustavo Ribeiro teria pedido que abrisse o apartamento de Dirceu alegando que aquele era o seu apartamento (do repórter) e que teria esquecido a chave em algum lugar.
O pessoal da recepção poderia ser entrevistado para comprovar ou não que Ribeiro se hospedou no hotel e pediu para ser alojado no apartamento contiguo ao de Dirceu e que o repórter da Veja, ao ser denunciado pela camareira, fugiu do estabelecimento sem pagar a conta. Afinal, se Ribeiro se hospedou no hotel teve que fazer o check-in e o check-out. Se pagou a conta, deve ter o recibo do pagamento. Se não tem, fugiu.
Por que um repórter fugiria de um hotel no qual se hospedou?
Seria uma bomba jornalística se essa matéria fosse parar no Jornal Nacional, por exemplo. E mesmo nos telejornais da Record, da Band ou do SBT, seria uma bomba. Menor, mas uma bomba. No entanto, até a manhã de domingo, dias após os fatos, só saíram uma notinha escondida na Folha de São Paulo e outra em O Globo e uma matéria no telejornal da TV Cultura, em termos de grande mídia.
O silêncio desses indecentes pseudo jornalistas que controlam as redações dos grandes meios de comunicação é a prova final, para quem dela tomar conhecimento, de que o que essa gente quer não é liberdade de imprensa, mas liberdade para decidir o que você, leitor, deve ou não saber, pois há coisas que não querem que você saiba e outras que querem que você pense. Mesmo não sendo verdade.

Extraído do blog: O Cachete

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Eric Hobsbawm: Como mudar o mundo

Por Fernando Bogado, no Página/12
Publicado em português no IHU Online, com tradução do Cepat

Aos 94 anos, depois de publicar suas extraordinárias memórias (Tempos Interessantes), o grande historiador inglês Eric Hobsbawm – que dedicou sua vida à análise e explicação da era moderna, desde a Revolução Francesa até os estertores do século XX – tinha um livro a mais para escrever: Como mudar o mundo. Após se sentir parte da geração com a qual se extinguiria o marxismo da vida política e intelectual do ocidente, as crises financeiras, a espiral conflitiva do capitalismo e as mudanças na América Latina lhe deram a alegria de voltar ao seu querido Marx. No livro, refuta com sua habitual lucidez as más interpretações, arquiva os preceitos que envelheceram e utiliza as ferramentas oferecidas pelo autor de O Capital para entender o mundo no século XXI e fazê-lo um lugar melhor.

Imaginem a cena: Eric Hobsbawm, reconhecido historiador inglês de corte marxista, e George Soros, uma das mentes financeiras mais importantes do mundo, encontram-se para um jantar. Soros, talvez para iniciar a conversa, talvez com o objetivo de continuar alguma outra, pergunta a Hobsbawm sobre a opinião que este tem de Marx. Hobsbawm escolhe dar uma resposta ambígua para evitar o conflito, e respondendo em parte a esse culto à reflexão antes que ao confronto direto que caracteriza seus trabalhos. Soros, ao contrário, é conclusivo: “Há 150 anos esse homem descobriu algo sobre o capitalismo que devemos levar em conta”.

A estória parece quase seguir a estrutura de uma piada (“Soros e Hobsbawm se encontram em um bar…”), mas é o melhor exemplo que o historiador inglês encontra para mostrar, no começo do seu livro, essa ideia que está pairando no ar há tempos: o legado filosófico de Karl Marx (1818-1883) está longe de ter se esgotado e, muito pelo contrário, as publicações especializadas da atualidade, o discurso político cotidiano, a organização social de qualquer país não fazem outra coisa que invocar o seu fantasma para lidar com esse angustiante problema que tomou o nome histórico de “capitalismo”.

No livro, recentemente publicado em castelhano, que leva o sugestivo título Como mudar o mundo, Hobsbawm volta a oferecer seu indiscutível talento para colocar as proposições daquele filósofo alemão que seguem tendo uma vigência definidora para construir o presente.

Repassemos antes a presunção de morte que se pendurou no pescoço de Marx durante o último quartel do século XX: a crise do petróleo de 1973 desencadeou um processo político e econômico que organizou o que Hobsbawm qualificou como reductio ad absurdum das tendências da economia de mercado. A situação provocou o surgimento de governos conservadores nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha (com Ronald Reagan e Margaret Thatcher à frente de seus países), ao mesmo tempo que implicou em diversos territórios a implantação de economias de claro corte financeiro, situação que na América Latina trouxe aparelhado o surgimento de governos de fato que impuseram este tipo de organização pela força, suplantando as estratégias de desenvolvimento industrial e substituição das importações por facilidades para os capitais andorinha, a especulação e a desestruturação das organizações sindicais (somados, é claro, às estratégias de repressão dispostas há muito tempo antes dos golpes, como mostra a história nacional).

Aquela série de mudanças culminou com a queda do Muro de Berlim e do bloco soviético em 1989-1991: a URSS não podia resistir muito mais tempo com sua particular versão do marxismo e sua economia planejada. Francis Fukuyama, pensador norte-americano de corte neoliberal, se apropriou de algumas noções da filosofia hegeliana para dar a sentença final acerca desta sucessão de acontecimentos: estávamos diante do “fim da História”, o desaparecimento do mundo organizado em blocos opostos que havia marcado o destino de tudo o que conhecemos desde o final da Segunda Guerra Mundial em diante.

É neste panorama conciliador da economia globalizada e aparente pacificação social que, ao longo da década de 1990, todo o mundo deu por enterrado o pensamento marxista, inclusive, com certas justificativas de índole éticas: o nome de Karl Marx sempre vinha acompanhado de Joseph Stalin, entre muitos outros. Marx não era apenas uma má palavra para um guru econômico, mas também para um cidadão das zonas mais pobres da Rússia, que via com prazer a forma como caíam as estátuas de Lênin, Stalin e do próprio Marx.

Quem teria dito então que veríamos uma foto de Sarkozy lendo O Capital e o papa Bento XVI elogiando a capacidade analítica de seu autor?

Entre 2007 e 2009 (2001, para nós), uma série de crises do sistema capitalista financeiro (ou “capitalismo tardio” tal como o identificaram pensadores como Frederic Jameson ou Jürgen Habermas), demonstraram que o que se pensou como o começo de uma era de tranquilidade em termos políticos, sociais e, sobretudo, econômicos para depois de 1989, na verdade não era nada disso. O mercado entregue pura e exclusivamente à “mão invisível” de Adam Smith, amparado pela domesticação do Estado, começou a trincar sem necessidade de conflito com outro sistema econômico-político.

A revolução não é um sonho eterno
Disse-o muito bem a Times após a queda financeira de 2008: “Voltou”. Quem? Marx. Três anos depois, o panorama não melhorou e neste clima pouco promissor, muitos revisam sua figura para recuperar o que foi que disse e o que se pode extrair de sua análise com o objetivo de superar a crise que afeta por estes dias as principais economias do mundo globalizado (basta revisar como começamos cada semana com uma nova “segunda-feira negra”, por não somar mais dias ao calendário).

Aos 94 anos, Hobsbawm observa acertadamente que Marx havia sentenciado qual seria o destino do capitalismo ao seguir a linha que em meados do século XIX insinuava com perfeita clareza: a concentração do capital em poucas mãos produziria um mundo onde apenas um número muito pequeno de pessoas teria o maior número de riquezas, ao passo que o sistema não poderia seguir o ritmo de seu próprio crescimento desproporcionado. A quantidade de riquezas produzidas e o contínuo aumento da população não permitiriam o desenvolvimento igualitário de todos os indivíduos, ao que se somava o fato de que o ritmo de crises cíclicas acabaria aumentando com o tempo até chegar ao ponto da inevitável queda do sistema.

Em 2002, o economista indiano Meghnad Desai já anunciava em um trabalho, “A vingança de Marx”, onde afirmava que muitos acreditaram que o pensamento do alemão se extinguiria com a queda dos estados socialistas, mas as teses e observações realizadas nos trabalhos iniciais vão muito além desses 70 anos de governos comunistas que constituíram apenas um “episódio” da virada para o socialismo: os marxismos não ofuscam as observações de Marx, e é esse núcleo básico que é preciso voltar a ler.

Hobsbawm concorda com Desai: uma coisa são os trabalhos originais e outra a maneira como esses livros (com seus avatares particulares, suas más traduções ou suas publicações tardias) formaram escolas ao longo de todo o mundo. Essa história da escola marxista é a que terminou com a queda do Muro, e não a força política e filosófica das primeiras explicações. Este renascer de Marx é o que entusiasma agora um Hobsbawm que se apresentava um tanto decepcionado com a ideia de que, durante a década de 1980 até finais de 2000, o “mundo marxista ficou reduzido a pouco mais que um conjunto de ideias de um corpo de sobreviventes anciãos e de média idade que lentamente se ia erodindo”.

Quais são essas ideias? Que coisas de Marx é preciso conservar? Em primeiro lugar, a natureza política de seu pensamento. Para ele, mudar o mundo é o mesmo que interpretá-lo (parafraseando uma das míticas “Teses de Feuerbach”); Hobsbawm considera que há um temor político em vários marxistas de se verem comprometidos com uma causa, sabendo de antemão que para entrar na leitura de Marx teve que haver primeiro um desejo de tipo político: a intenção de mudar o mundo.

Em segundo lugar, a grande descoberta científica de Marx, a mais-valia, também tem lugar neste ensaio histórico de erro e acerto. Reconhecer que há parte do salário do operário que o capitalista conserva para si com o objetivo de aumentar os lucros, com a passagem do tempo é encontrar a prova de uma opressão histórica, o primeiro passo para chegar a uma verdadeira sociedade sem classes, sem oprimidos. Os operários estão conscientes dessa injustiça e só mediante uma organização política coerente poderão “dar uma reviravolta”. Ao contrário do que acreditavam os gurus da globalização, nem os operários nem o Estado são conceitos em desuso: Hobsbawm esclarece que “os movimentos operários continuam existindo porque o Estado-nação não está em vias de extinção”.

Por último, a existência de uma economia globalizada demonstra aquilo que Marx reconheceu como a capacidade destruidora do capitalismo, mais um problema a resolver que um sistema histórico definitivo. Hobsbawm chama a atenção, a partir do filósofo alemão, para essa “irresistível dinâmica global do desenvolvimento econômico capitalista e sua capacidade de destruir todo o anterior, incluindo também aqueles aspectos da herança do passado humano dos quais o capitalismo se beneficiou, como, por exemplo, as estruturas familiares”. O capitalismo é selvagem por natureza e seu final – ao menos, o final da ideia clássica de capitalismo – é evidente para qualquer pessoa no mundo.

É muito difícil dizer que da análise de Marx se possa tirar um plano de ação “à prova de bala”. A teoria marxista clássica falou muito pouco sobre modelos de Estado ou do que aconteceria uma vez instalada a revolução, mas muito sobre análise econômica: pensando o que acontece é que se pode saber como agir. O que Marx deu foram ferramentas, não receitas dogmáticas. Como bem disse Hobsbawm, os livros de Marx “não formam um corpus acabado, mas são, como todo pensamento que merece este nome, um interminável trabalho em curso. Ninguém vai convertê-lo em dogma, e menos ainda em uma ortodoxia institucionalmente ancorada”.

Mas, claro, a vida oferece surpresas: embora haja colocações de Marx que se conservam, há muitas outras que o curso da História (e dos homens que a vivem) mudou. Por exemplo, um dos paradoxos do século é que, embora Marx acreditasse que a revolução acabaria se dando em todo o mundo (“Trabalhadores do mundo, uni-vos!”), os levantamentos que terminaram com o marxismo no poder durante o século XX se deram em países bem diferentes da Alemanha, Inglaterra e França, o triângulo em que, para Marx, tudo começaria.

Por sua vez, o marxismo se misturaria com movimentos de mudança ou grupos que reconheciam diferentes injustiças sociais em territórios insuspeitados. Na Rússia, por exemplo, a filosofia marxista se mesclou com o nacionalismo agrário narodnik, ao menos, em um primeiro momento. Na China, a revolução se deu em uma cultura agrícola não ocidental, imperial e milenar. Por sua vez, todos esses modelos de país tinham muito pouco com a ideia original: assim como afirma Hobsbawm, “no período posterior a 1956, uma grande maioria de marxistas se viu obrigado a concluir que os regimes socialistas existentes, desde a URSS até Cuba e Vietnã, estavam longe daquilo que eles mesmos teriam desejado que fosse uma sociedade socialista, ou uma sociedade encaminhada ao socialismo”.

Talvez o artigo mais determinante seja aquele dedicado à redação do Manifesto do Partido Comunista, o texto breve de 1848 onde Marx e Engels declaravam a inevitável presença de um partido que não era, nessa época, o mesmo tipo de organização que o século XX conhecerá depois das propostas operativas de Lênin. O objetivo fundamental da criação de um PC era distinguir sua proposta da de toda outra forma de avatar socialista, sobretudo em suas variáveis utópicas: de Saint-Simon aos falanstérios de Fourier, onde a liberdade sexual (e as correspondentes “orgias coreografadas”) se equiparavam a uma liberdade de trabalho. Um século e pouco depois, talvez esse PC tenha sido mal entendido.

Pensar a transição de sociedades agrárias para sociedades socialistas, ou revisar a mudança histórica do feudalismo ao capitalismo, foi um dos pontos que mais preocuparam o último Marx: ali se encontra a possibilidade de entender desde o presente os movimentos revolucionários em países com estruturas agrárias como as presentes na América Latina, África ou algumas zonas do Oriente. Para além das condições para que se dê a mudança (descontentamento social, consciência do conflito, etc.), o marxismo clássico do século XIX defendia a necessidade de certas condições objetivas para a revolução: desenvolvimento industrial e comercial em grande escala (longe do artesanato e do comércio “cara a cara”). A América Latina conheceu a refutação destas condições no Che Guevara: onde havia uma necessidade, não havia apenas um direito, mas também uma possível revolução. Hobsbawm, atento a este tipo de experiência, demonstra o interesse particular que existe para revisar a mudança ao socialismo fora dos limites da Europa.

A cintura cósmica de Marx
Em uma entrevista concedida ao jornal The Guardian, e realizada por Tristram Hunt – que acaba de publicar, oh casualidade, a biografia de Engels também resenhada nestas páginas – e publicada em janeiro deste ano, Eric Hobsbawm falou com entusiasmo da recuperação de certa linguagem econômica e política que se acreditava esgotada depois do auge liberal das últimas décadas do século XX: “Atualmente, ideologicamente, sinto-se mais em casa na América Latina porque segue sendo a única parte do mundo onde as pessoas ainda falam e conduzem sua política na velha linguagem, na linguagem do século XIX e do século XX do socialismo, do comunismo e do marxismo”. Embora a pergunta apontasse para a saída de Lula do governo e a localização do Brasil dentro do grupo de países com perspectivas de liderança mundial (o BRIC, junto com a Rússia, a Índia e a China), a resposta renova a repercussão da conjuntura política latino-americana dentro do panorama mundial e a presença de diversos governos de esquerda e centro-esquerda no continente.

Um dos últimos artigos do livro, “Marx e o trabalho: o longo século”, assinala precisamente que as organizações proletárias com fins políticos não necessariamente vão de mãos dadas com a teoria marxista. O melhor caso para explicar seu ponto de vista o encontra em nosso intrigante país: “Os socialistas e comunistas, frustrados há tempo na Argentina, não podiam compreender como um movimento operário radical e politicamente independente podia desenvolver-se, na década de 1940, naquele país, cuja ideologia (o peronismo) consistia basicamente na lealdade a um general demagogo”.

A vitória de partidos operários no continente, alimentados pela perspectiva marxista de justiça e progresso igualitário, mas não ligados a organizações de claro corte comunista, apresenta a possibilidade de uma transição a um Estado socialista não mediada por uma revolução, assim como se colocou nos termos da URSS e da histórica Revolução de 1917, ou como o imaginário atual lê o futuro da revolução cubana de 1959. Em definitiva, há coisas que a própria História, não Marx ou suas muitas interpretações, demonstraram que são inviáveis: o socialismo russo fracassou por manter uma economia de guerra a curto prazo que se propunha objetivos difíceis que implicavam esforços e sacrifícios excessivos (desde concentrar todo o excedente e o esforço produtivo com a finalidade de conquistar o espaço exterior a mudar as práticas de produção agrária). Distinguir Lênin e Stalin do pensamento de Marx é um acontecimento dado nos últimos anos que pode mostrar as facetas mais interessantes para uma teoria do presente. Ou seja, algo necessário que permite pensar as circunstâncias atuais para escorar a mudança dentro da complexa geografia latino-americana.

O marxismo teve várias crises ao longo de sua história. Desde que se propôs colocar Hegel “de pernas para o ar” e transformar todo o discurso do espiritual em atenção ao material, já em 1890 apareceram os primeiros críticos às formulações básicas desta filosofia. Contudo, há algo nas ideias de Marx que segue interpelando o homem contemporâneo, que segue falando de uma mudança não considerada como mero desejo existencial ou aspiração utópica, mas como situação possível de levar a cabo na atualidade, sobretudo, pela via democrática e partidária.

Como bem pergunta Soros, e como escreve Hobsbawm: “Não podemos prever as soluções para os problemas que o mundo enfrentará no século XXI, mas para que haja alguma possibilidade de êxito devemos fazer-nos as perguntas de Marx”.

Fonte: Escrevinhador

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Governador Alckmin e MP-SP, quando a faxina na Sabesp vai começar?

Blog SeaRádioNãoToca

No último mês, o Jornal da Tarde, que circula apenas na Grande São Paulo, publicou uma série de reportagens investigativas sobre a corrupção na Sabesp. Nelas aponta que as empresas que atuaram na Sanasa, na cidade de Campinas, também atuaram no governo do estado.

As matérias mostram a formação de um verdadeiro cartel para fraudar licitações. Em setembro de 2010, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP) prendeu José Carlos Cepera, que controlava um grupo de seis empresas: Lotus Serviços Técnicos; Pluriserv Serviços Técnicos; Infratec Segurança e Vigilância; São Paulo Serviços; Pro-saneamento Ambiental e O.O. Lima Empresa Limpadora, todas limitadas e registradas em nome de laranjas. Além disto, há uma ramificação, apontada pela Polícia Federal que chega a região do Vale do Paraíba.

A máfia presidida por Cepera mantém de 1995 até hoje contratos com todos os poderes do Estado de São Paulo – Legistivo, Judiciário, Executivo e o próprio Ministério Público –, como aponta a matéria do site Terra intitulada “MP apura ligações de suspeitos de fraude a governador”. Isso por si só mostra o poderio dessas empresas e as relações de proximidade entre este grupo e o poder público paulista.

Segundo nota do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP), a fraude é de, pelo menos, R$ 615 milhões e “a organização criminosa realizava as fraudes através da corrupção dos agentes públicos responsáveis pela licitação ou através do ajuste com empresas concorrentes, sem conhecimento do órgão público, sempre através da entrega de vantagens financeiras em dinheiro”.

Além de Cepera, foram presos naquela ocasião Arnaldo Mayer, dono da Saenge, Gregório Wanderlei Cerveira, dono da Hidrax, e Dalton dos Santos Avancini, da Camargo Correia.

A Polícia Federal, no rastro da operação Castelo de Areia, fez uma grande investigação sobre esses grupos criminosos e repassou-a ao MPE que, “questões estratégicas”, preferiu continuar apenas as averiguações entre as relações dessas empresas com a cidade de Campinas, que curiosamente apoiaram o governo Lula e a eleição de Dilma. E lá prendeu a esposa do ex-prefeito, cassado no último sábado, e vários secretários que fariam parte da denominada “República de Corumbá”. Pelo que se sabe as “organizações Cepera” e a Saenge têm contrato de aproximadamente R$ 100 milhões com a Prefeitura de Campinas.

Em maio, matéria do Estadão revelou que um grampo dessas investigações cita que o dono dá Saenge, filiado ao PSDB, teria relações fortes com três tucanos:

Monitoramento do Ministério Público (MP) também flagrou diálogos do empresário Luiz Arnaldo Mayer com um homem não identificado. Na conversa, se diz que Aparecido, José Henrique Reis Lobo, ex-presidente municipal do PSDB de São Paulo, e o deputado federal tucano Ricardo Trípoli (SP) estão ‘intercedendo’ nos negócios de outro empresário, José Carlos Cepera, apontado como líder do grupo que teria desviado R$ 615 milhões dos cofres de Campinas.

Os grampos mostram os movimentos de Arnaldo Mayer, preocupado com os negócios relativos à Companhia de Saneamento Básico do Estado (Sabesp). Mayer é sócio-diretor da Saenge Engenharia, que tem contratos com a Sabesp.

O teor dos diálogos indica que o empresário teria o compadrio de um deputado para transitar por gabinetes da Assembleia e do Palácio dos Bandeirantes. “O conteúdo dos diálogos deixa muito evidente que as questões referentes às suas (de Mayer) contratações públicas estão intimamente ligadas a contatos e relacionamentos políticos”, destaca o relatório do MP.

Na mesma nota de setembro de 2010, o MPE menciona contratos dessas empresas com o governo paulista, especialmente a Sabesp. Os contratos com as empresas que atuaram em Campinas com a Sabesp atingem R$ 1,75 bilhão, sem contar os contratos bilionários da Camargo Corrêa com a linha 4 do Metrô e o corredor noroeste em Campinas, como mostra a tabela abaixo:

Estranhamente a Saenge teve novos aditamentos de contratos em 2011 e a Pluriserv, um dos braços das empresas de José Carlos Cepera, 12 aditamentos que somam R$ 2,5 milhões. Estes fatos mostram que sequer há investigação dos contratos suspeitos e nem tampouco se interrompeu a execução deles.

O dono da Saenge, Arnaldo Mayer, vale relembrar, é filiado ao PSDB. Somente após denúncias publicadas no Jornal da Tarde e representação de deputados do PT, o Ministério Público resolveu abrir investigação sobre a Sabesp.

Mas se o MPE já se sabia isso desde 2010, por que não investigou o governo dos tucanos? Como o Ministério Público mantém contratos com empresas que é acusada por ele próprio de fraudar licitações? Como essas empresas conseguiram estar presentes em todos as esferas da administração pública? Por que só foi investigado o caso de Campinas, cujo prefeito é um aliado do presidente Lula? Mistérios que precisam ser desvendados por jornalistas investigativos.

Vários diretores da Sabesp aparecem contratando as empresas investigadas pelo Ministério Público ou se unindo a elas em consórcios. Um dos envolvidos é o engenheiro Umberto Semeghini, que deixou a empresa Gerentec para trabalhar na Sabesp. Na época, ele conseguiu a proeza de elevar os contratos da Gerentec com a estatal paulista em 187%. Pularam de R$ 40 milhões para R$ 115 milhões. Uma dica sobre as relações de Umberto Semeghini aparece na matéria do Jornal da Tarde:

Amigo pessoal do ex-governador Alberto Goldman (PSDB), com quem atuou no Ministério dos Transportes no governo Fernando Henrique Cardoso, Semeghini não é filiado a nenhum partido político, mas mantém laços políticos com outros tucanos. Em 2004, por exemplo.

O modus operandi de Umberto Semeghini foi seguido por Nilton Seuaciuc, da Vitalux Eficiência Energética. Os seus negócios com a estatal paulista cresceram 250%. Nilton foi assessor de Paulo Massato, diretor metropolitano da Sabesp. Massato, por sinal, foi quem mais assinou contratos com as empresas investigadas em Campinas.

Já Marcelo Salles, diretor da Sabesp e ex-diretor da ETEP, viu sua ex-empresa ganhar contratos que chegaram a R$ 192 milhões no governo de José Serra (PSDB). Um crescimento de mais de 490% em relação ao que tinha na gestão anterior.

Por sua vez Marisa de Oliveira Guimarães, assessora da Sabesp, é casada com Alceu Bittencourt, que é diretor de outra consultoria, que tem contratos com a Sabesp de R$ 103 milhões.

Uma curiosidade: em 2009, somente apresentaram propostas a VITALUX, COBRAPE e BBL, e ganharam as licitações de dois pregões que atingiram o valor de R$ 32,4 milhões.

Fica, portanto, evidenciada a ação de um cartel dentro da Sabesp para viciar licitações. Mas o silêncio de Geraldo Alckmin (PSDB) sinaliza que ele não está sendo coerente com o que afirmou em 2006, no debate com Lula: “ Não rouba e não deixa roubar”.

A grande imprensa só investiga a operação Castelo de Areia quando quer atingir seus adversários políticos e cobra de Dilma ações contra a corrupção, com claros fins de cindir a sua base de apoio, mas se cala e não cobra providências das autoridades paulistas para coibir que continuem a atuar empresas acusadas pelo próprio ministério público de fraudar licitações.

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Fonte: Vi o mundo