Por Juliana Sada
Em seu primeiro mandato, o senador mais jovem do Brasil decidiu comprar uma boa briga na área da cultura. Randolfe Rodrigues (PSOL/AP), de 39 anos, foi o responsável pela coleta de assinaturas e pela instalação da CPI que investiga o poderoso e obscuro Ecad, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, que é responsável por recolher os direitos autorais de músicas e distribuí-los entre os artistas.
Semana passada ele voltou à mídia ao conseguir aprovar na Comissão de Educação e Cultura um convite para que a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, dê esclarecimentos no Senado sobre a relação da pasta com o Ecad. O convite veio em uma semana difícil para a ministra. Artistas, intelectuais e produtores de diversas matizes políticas divulgaram dois manifestos revelando o desconforto e a insatisfação com a atual gestão, e chegando, inclusive, a sugerir um novo nome para o Ministério, caso ela saia.
Desde o início da sua gestão, Ana de Hollanda foi criticada por romper com as gestões anteriores do MinC, de Gilberto Gil e Juca Ferreira, consideradas exemplares e sintonizadas com o movimento de cultura.
Nesta quinta-feira, 22, Ana de Hollanda chegou ao topo dos assuntos mais comentados do Twitter. Talvez em uma tentativa de melhorar sua imagem, a equipe de comunicação do MinC fez uma série de postagens elogiando a ministra — de maneira um tanto exagerada. Posteriormente apagadas, as postagens diziam que ao invés da rotineira chuva no Pará, o sol brilhava para que a ministra anunciasse novos projetos culturais; outra postagem afirmava “em ritmo de Carimbó, ministra rufa os tambores”; e a frase que a levou ao Trending Topics foi a de uma comerciante do mercado Ver-o-Peso que teria exclamado: “Ana de Hollanda nada. Ana de Belém”.
Para Randolfe Rodrigues, que ainda aguarda a resposta da ministra ao convite, Ana de Hollanda estaria melhor em um governo do PSDB ou do DEM: “o programa da Dilma é um programa do século XXI e a ministra defende ideias do século XIX”.
Confiram a seguir a íntegra da entrevista que o senador concedeu ao Escrevinhador.
O senhor convidou a ministra Ana de Hollanda a comparecer ao Senado e dar explicações sobre as relações entre o Ministério da Cultura (MinC) e o Ecad. O que motivou esse convite?
Foi veiculado na imprensa um parecer do Minc favorável ao Ecad, em um procedimento movido pelo Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] contra o Ecad. Primeiro é inadequado que uma instância da República, no caso o Minc, se apresse em mover uma ação de apoio a uma entidade de direito privado. Isso acaba revelando que existem relações muito próximas entre eles, isto explicitaria porque a lei de direitos autorais não avançou mais nessa gestão. Primeiramente não é legal que haja esse tipo de relação de qualquer ministério com qualquer entidade de direito privado, e muito menos com uma entidade que está sendo alvo de uma ação.
Que outros elementos levaram o senhor a acreditar que haja essa relação próxima entre MinC e Ecad?
Se a ministra não comparecer aqui eu vou tomar como verdade o parecer emitido pelo departamento de direito autorais do MinC em defesa do Ecad. Se não houver esclarecimento, é porque existe uma relação vinculativa do Minc em favor do Ecad. É ilegal, inadequado e torna a presença da ministra insustentável. Seria a mesma coisa que o Ministério dos Esportes defender a CBF. É algo que não cabe, é uma instituição da República se rebaixando ao papel de advogado de defesa de uma instituição privada.
Eu gostaria que ela viesse aqui e me provasse que estou errado. Lamentavelmente ela vai à Câmara e não responde meu convite.
Saiu na imprensa que ela teria dito aos assessores que não iria ao Senado.
É uma decisão da ministra visto que é um convite. O Senado tem prerrogativa para transformar esse convite em convocação. E pode ser um passo que teremos que dar. É um desrespeito ao Senado, nesse caso. Ela atende ao convite da Câmara e diz que não vem ao Senado.
O trabalho da CPI do Ecad está perto do fim, certo? O senhor pode adiantar o que aparecerá no relatório final?
Não posso falar do relatório, pois a relatoria está com o senador Lindebergh [Farias, PT/RJ]. Nossa última audiência pública é segunda-feira, em São Paulo. Nós vamos ouvir cantores, compositores e artistas. Depois no prazo de duas semanas vem o relatório e então será submetido à votação na Comissão.
Eu posso falar como foi a investigação, que indica que há alguns elementos que não tem como não aparecerem. Não tem como o relatório não apoiar a criação de uma lei contra a sanha arrecadatória do Ecad. Segundo, não tem como não apontar a necessidade de criação de uma instância de fiscalização e regulamentação, para acompanhar os abusos cometidos, como no caso de um casal que tem o casamento interrompido pelos fiscais do Ecad. E terceiro, o relatório deve indiciar o Ecad por formação de cartel. Esses três elementos estiveram presentes durante toda a investigação.
Sobre essa questão do cartel, houve contato com o Cade?
Sim, conversamos com eles. Os elementos do Cade são muito fortes. Acho eu não tem como não constar isso.
O senhor afirmou que se a Ana de Hollanda não aceitar o convite, o senhor tomará como comprovada a proximidade entre o MinC e o Ecad…
Tem um ditado que diz “quem cala, consente”. Veja, alguém é acusado, ele tem o direito do contraditório e recusa? Me parece que é uma confissão de culpa. Claro que aqui não é um tribunal, mas aqui é casa de fiscalização do Executivo. Eu não tenho maioria, mas acho que a Comissão de Educação e Cultura deve tomar isso como um acinte, um desrespeito.
E o senhor disse que se ela não comparecesse, a permanência dela no Ministério seria inviável. Acha que há chance de troca no MinC?
A decisão final é da Dilma, da presidente da República. Em qualquer república democrática onde os poderes do Executivo são mais limitados, ela não teria como se manter no cargo, mas esse não é o nosso caso. A própria ministra não tem identidade programática e política com a presidente Dilma e nem com nenhum governo de esquerda. Ela seria uma ótima ministra para um governo do PSDB, do DEM, liberal…
Mas o senhor acha que haverá essa mudança?
Se a presidente quisesse alguém coerente com o programa dela, deveria mudar. A campanha da Dilma previa a mudança da lei de direito autoral. O movimento de cultura digital apoiou a campanha, foi uma das bases. E a Ana de Hollanda declarou que a internet é contra a cultura nacional. O programa da Dilma é um programa do século XXI e a ministra defende ideias do século XIX. Há um anacronismo entre o programa da Dilma e a gestão da ministra.
Porque a Dilma indicou a Ana de Hollanda, então?
Boa pergunta. Eu não sei se a presidente pesou esses critérios programáticos ou se ela acreditava que podiam ser cumpridos… Visto que a ministra não está cumprindo esse papel, acho que ela deveria ser trocada.
Fonte: Escrevinhador
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